Muitos especialistas concluíram que o ergotismo foi em última análise responsável pelas acusações de bruxaria contra cerca de 250 pessoas (sobretudo mulheres) no ano de 1692 em salem.
Os sintomas manifestados pelas vítimas são compatíveis com o ergotismo: diarréia, vômitos, convulsões, alucinações, ataques apopléticos, fala desarticulada, distorções estranhas dos membros, formigamentos e perturbações sensórias agudas.
Parece provável que, pelo menos de início, o ergotismo tenha sido a causa da caça às bruxas em Salem; quase todas as 30 vítimas que declararam ter sido enfeitiçadas eram meninas ou mulheres jovens,sabidamente mais suscetíveis aos alcalóides da cravagem.
São mais sugestivos de histeria ou de pura e simples maldade.
Um fenômeno comum nos julgamentos, vítimas sofriam um ataque convulsivo quando confrontadas com a bruxa acusada, sem dúvida, gostando da atenção que lhes era dada, e percebendo o poder que exerciam, as vítimas denunciavam tanto os vizinhos que conheciam como moradores de sua vila de quem mal tinham ouvido falar. O sofrimento das verdadeiras vítimas da caça às bruxas de Salem, as 19 pessoas enforcadas (e uma morta por esmagamento sob um monte de pedras), as que foram torturadas e presas, as famílias destruídas pode ser atribuído a molécula de ergotina, mas a responsabilidade última deve ser atribuída à fraqueza moral humana.
Como a cocaína, os alcalóides da ergotina, embora tóxicos e perigosos, têm uma longa história de uso terapêutico, e as ergotinas continuam desempenhando um papel na medicina.
Todos os alcalóides da ergotina têm uma característica química em comum: são derivados de uma molécula conhecida como ácido lisérgico. O grupo OH de ácido lisérgico é substituído por um grupo lateral maior, como na molécula de ergotina e na molécula ergovina.
Albert Hofmann, um químico que trabalhava nos laboratórios de pesquisa, preparou um outro derivado.
Ele chamou a dietilamida do ácido de LSD-25 hoje conhecido simplesmente como LSD.
Foi só em 1943, quando produziu o derivado de novo, que Hfmann experimentou inadvertidamente a primeira das que viriam a ser conhecidas na década de 1960 como viagens de ácido. Como o LSD não é absorvido pela pele, Hofmann transferiu dos dedos para a boca.
Hofmann decidiu tomar deliberadamente LSD para testar sua suposição de que era esse composto que produzira as alucinações.
O LSD é dez mil vezes mais potente como alucinógeno que a mescalina, ficando tonto rapidamente, Hofmann pediu a seu assistente que o acompanhasse em sua volta para casa de bicicleta pelas ruas de Basiléia.
Além de ter alucinações, ficou paranóico,com sentimentos alternados de intensa inquietação e paralisia, falava de maneira inarticulada e incoerente, sentiu medo de sufocar, teve a impressão de que saíra de seu corpo e percebeu visualmente os sons. A certa altura, Hofmann chegou mesmo a considerar a possibilidade de ter sofrido um dano cerebral permanente, na manhã seguinte a essa experiência, Hofmann acordou sentindo-se normal, com memória completa do que havia acontecido e aparentemente sem quaisquer efeitos colaterais. Em 1947, a companhia Sandoz começou a comercializar LSD como um instrumento em psicoterapia e em particular para o tratamento de ezquisofrenia alcoólica. Na década de 1960 o LSD tornou-se uma droga apreciada pelos jovens do mundo inteiro, foi promovido por um psicólogo, como a religião do século 21 e o caminho para a realização espiritual e criativa. Milhares seguiram seu conselho de “ligar-se e, sintonizar, dar as costas à sociedade”. Seria essa fuga da vida cotidiana induzida por um alcalóide tão diferente das sensações experimentadas pelas mulheres acusadas de bruxaria algumas centenas de anos antes?
A atropina e os alcalóides da ergotina não causaram a bruxaria. Contudo, foram interpretados como prova contra grandes números de mulheres inocentes, em geral as mais pobres e as mais vulneráveis da sociedade. Os acusadores se baseavam numa alegação química: “Ela deve ser feiticeira pois diz que pode voar” ou “ela deve ser culpada pois a aldeia inteira está enfeitiçada”. As atitudes que haviam permitido quatro séculos de perseguição a mulheres como bruxas não mudaram de imediato. Teriam essas moléculas de alcalóide contribuído para uma herança perceptível de preconceitos contra as mulheres.
Sem essas tradições ligadas às ervas talvez nunca tivéssemos produzido o arsenal de fármacos que temos atualmente. Mas hoje, se não executamos mais os que apreciam remédios potentes feitos com o mundo dos vegetais, estamos eliminando as próprias plantas.
De um ponto de vista molecular, o folclore do passado pode ser uma chave para nossa sobrevivência no futuro.
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